
Editorial: Advocacia popular e pesquisa acadêmica no campo criminal: notícias sobre potentes articulações
Em agosto de 2020, foi lançada a publicação “Liberta: Criminalização de Mulheres e Sistema Prisional Baiano”[1]. O documento é resultado de projeto da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR) que articulou educação jurídica popular, através do ciclo de oficinas de formação em direitos humanos[2] no Conjunto Penal Feminino, e pesquisa que teve como objeto 129 Autos de Prisão em Flagrantes, com o objetivo de avançar na compreensão das dinâmicas de criminalização de mulheres em Salvador. A equipe que participou das atividades no cárcere também construiu coletivamente a pesquisa, o que permitiu que as suas questões centrais fossem definidas pela experiência política de formação com as mulheres presas.
As/os assessoras/es jurídicas/os envolvidas/os compartilham uma trajetória de advocacia popular comprometida com movimentos sociais e grupos mais expostos à interdição da plenitude da vida na reprodução da colonialidade por um sistema capitalista-racista-sexista. É um outro modelo de prática advocatícia que molda como produzimos pesquisa, entendendo a articulação entre teoria e prática como central tanto para a construção de perspectivas críticas, quanto para fortalecer a ação política que busque a transformação radical da sociedade. Afinal, como nos diz Vilma Reis[3], essa tarefa árdua de sistematizar uma tragédia, como a experiência negra brasileira, não pode ter um fim em si mesmo.
Foi assim que, na interseção da advocacia popular com a academia, tornou-se possível pensar criticamente junto com mulheres criminalizadas o abuso da prisão preventiva, a negritude como fiadora dos processos de criminalização, a territorialização da criminalização, o papel do judiciário no esgarçamento cruel das condições de vida das classes trabalhadoras precarizadas, a política de drogas como uma guerra contra mulheres negras e o agravamento de denegação dos direitos para mulheres com filhos ou gestantes. A advocacia popular no campo criminal, articulada à produção de conhecimento crítico, tem papel de destaque nas trincheiras de contenção da barbárie punitiva do sistema penal.
Referências:
[1] Disponível em: https://www.aatr.org.br/publicacoes-proprias.
[2] Incluindo debates sobre direito do Estado, direito penal e processo penal.
[3] Prefácio. In: FLAUZINA, Ana et al. Discursos negros: legislação penal, política criminal, racismo. Brasília: Brado Negro, 2015.
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